Factfullness

Bem vindos à minha segunda publicação!!

     Vão reparar que é um pouco longa e é só parte da mensagem que quero passar. Ainda estou a tentar encontrar a melhor maneira de me expressar para que seja interessante e claro, por isso, se puderem, digam o que acham e essas coisas todas!

     Para a minha segunda publicação trago-vos um livro que li recentemente e me deu bastante que pensar. Chama-se “Factfullness“, ou em português, Factualidade e fala-nos das “10 razões pelas quais estamos errados acerca do mundo e porque as coisas estão melhor do que pensamos”.

 

Porquê falar deste livro?

     Eu sempre fui considerado uma pessoa optimista pelos meus amigos (e eu concordo!). No entanto, não acho que seja irrealista e frequentemente, ao discutir diferentes temas da atualidade mundial grande parte das opiniões e argumentos eram mais “pessimistas” que a noção que eu tinha da realidade. Claro que isso poderia ser só por eu ter uma visão mais optimista do mundo e como não tinha evidencias que corroborassem o meu modo de ver o mundo não era algo que eu podia exprimir como um facto. Daí a importância deste livro. Nele, o autor mostra factualmente onde nos encontramos enquanto sociedade, o que já ultrapassamos e os desafios que temos pela frente. E fá-lo enquanto nos mostra os vários instintos que por vezes nos fazem ver o mundo de um modo irrealista e menos factual.

     É de certo modo irónico escrever sobre as 10 razões pelas quais as coisas estão melhor que o que pensamos durante uma época em que grande parte do mundo está a lidar com a Pandemia do covid-19, vários países estão em quarentena obrigatória e a economia mundial está perto de entrar em mais uma forte recessão, o que claramente não são boas noticias. No entanto, os acontecimentos atuais não anulam a grande evolução que tem acontecido e o trabalho que está a ser feito e muitas vezes passa despercebido entre toda a negatividade que constantemente nos bombardeia.

Dito isto, Revisão do Livro! 🙂

     O livro foi escrito por Hans Rosling em conjunto com o filho, Ola Rosling, e a nora, Anna Rosling Ronnlund. Infelizmente Hans acabou por morrer a 7 de Fevereiro de 2017 antes de o livro ser concluído.

     Hans Rosling era um especialista em Saúde internacional, conselheiro da Organização Mundial de Saúde, famoso pelas suas TED talks com mais de 35 milhões de visualizações (links no final do artigo).

     Hans era também professor de saúde internacional e quando na década de 90 começou a dar aulas, no Instituto de Karolinska na Suécia, entendeu o quão errada era a visão dos seus estudantes sobre a saúde global e outros tópicos, apesar de esperar que estes tivessem um conhecimento acima da média devido às disciplinas que tinham. Podes realizar aqui o teste apresentado pelos autores, de modo a veres o que acertas e erras: http://forms.gapminder.org/s3/test-2018 (Sê honesto nas respostas ^^ )

     As mesmas perguntas foram feitas em 2017 a cerca de 12 mil pessoas de 14 países “desenvolvidos” e os resultados podem ser encontrados em: https://www.gapminder.org/ignorance/gms/. Se abriram a hiperligação, repararam na comparação hipotética com macacos, em que a probabilidade de estes acertarem na resposta certa é de 33% (cada pergunta é de escolha múltipla com 3 hipóteses). Por isso acertariam uma em cada 3 perguntas. Spoiler para quem não viu: Nós acertamos menos que os macacos…

Porque erram as pessoas a maior parte das perguntas?

     A primeira hipótese seria porque não têm conhecimento do mundo atual. As pessoas que nos ensinam já aprenderam há algum tempo e o conhecimento está desatualizado na maior parte das pessoas, o que leva a este desfasamento entre a perceção de cada um e a realidade. Assim, o autor decidiu instruir o maior numero de pessoas possível, recorrendo a conferencias internacionais, reuniões com lideres de multinacionais e lideres de países, na esperança de que se instruísse as pessoas com mais poder, estas gradualmente passassem também essa atualização do conhecimento.

     No entanto, com o passar do tempo, Hans foi-se apercebendo que não podia ser só isso. Em muitos dos casos, a conceção errada do mundo continuava mesmo depois da atualização. Muitas das pessoas ficavam inspiradas com as palavras dele, mas não escutavam realmente e rapidamente voltavam à velha e negativa visão do mundo. Em 2015, ao fazer uma apresentação no Fórum Económico Mundial em Davos à frente de políticos influentes, empresários, empreendedores, investigadores, ativistas, jornalistas e funcionários de alto nível das Nações Unidas também eles erravam perguntas simples sobre o mundo… Praticamente todos na plateia tinham acesso a dados recentes, a conselheiros que os atualizavam entre outros meios de informação. A ignorância não podia ser causada por uma visão do mundo desatualizada. Dai surgiu uma segunda hipótese…

     O Ser Humano tem uma visão do mundo excessivamente dramática e é difícil mudar porque deriva da forma como o nosso cérebro funciona… O cérebro humano é o produto de milhões de anos de evolução e temos incorporados instintos que ajudaram os nossos antepassados a sobreviver em pequenos grupos de caçadores e recoletores. Saltamos para conclusões rápidas sem pensar muito para evitar perigos imediatos, ficamos interessados em boatos e histórias dramáticas, porque era a nossa fonte de informação, apetece-nos açúcar e gordura porque eram as fontes de energia quando o alimento era escasso. Temos vários instintos que nos foram úteis durante milhares de anos e que de certo modo ainda são, mas o nosso modo de vida mudou. Agora, o desejo por açúcar e gordura levou a que a obesidade seja um dos maiores problemas de saúde no mundo e identificamos que temos que fazer um esforço para educar a população para os beneficios de comer de um modo saudável. Da mesma maneira, muitos dos outros instintos que temos, apesar de úteis, podem levar-nos a uma visão errada do mundo em que vivemos. Principalmente se não tivermos noção que eles existem e não os conseguirmos controlar.

     Daí a factualidade… é a melhor maneira de nos manter-mos a par da atualidade e de combatermos a nossa visão dramática do mundo por algo mais baseado em factos. Obviamente não é preciso saber um monte de dados ou gráficos ou estatísticas. Há regras gerais que descrevem até certo ponto a tendência das coisas. Mas quais são então os instintos de que estamos a falar?

Instinto de Fosso:

Este instinto baseia-se na concepção errada de que o mundo está dividido em dois. Normalmente vemos isto quando se fala dos vários países do mundo “desenvolvidos” vs “em desenvolvimento” ou “ricos” vs “pobres” ou “ocidente” contra… bem, acho que já perceberam a ideia…

O ser humano tem um forte instinto dramático que atrai o pensamento binário. Temos uma necessidade de dividir as coisas, pronto… Os bons contra os maus, o herói contra o vilão, o meu país contra o teu. Obviamente, os jornalistas apercebem-se disso e também eles estabelecem narrativas conflituosas com dois grupos opostos. Uma história que coloca a extrema pobreza contra os bilionários ou o individuo frágil contra uma grande e má empresa vão ter uma audiência muito superior a relatos mundanos que representem a realidade da maior parte das pessoas. Não estou a dizer que este tipo de documentários ou peças jornalísticas não devam existir! São ótimas para nos chamar à atenção para as discrepâncias existentes na nossa sociedade global. No entanto, leva em muitos casos ao crescimento deste “instinto de fosso” e a conclusões que estão factualmente erradas, tais como “os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres”. Quando na verdade, com o passar do tempo todos os países estão a caminhar na mesma direção e há cada vez mais uma continuidade entre os vários países.

Há várias maneiras de tentar descrever o que significa países “desenvolvidos” e os países “em desenvolvimento” e com dados em relação a esses países podemos ver se existe realmente um “fosso” ou se este não existe. O livro utiliza um gráfico que apresenta as crianças que sobrevivem até aos 5 anos em função do número de filhos por mulher. Isto porque há a ideia que países em desenvolvimento têm uma taxa de mortalidade infantil muito superior e um número também superior de filhos por cada mulher. Vou colocar os valores do ano de 1965 e de 2019 para se comparar o desenvolvimento neste parâmetro.

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relação entre a mortalidade infantil e o número de bebés por mulher. Retirado de Gapminder
Figura 1 - Mortalidade infantil em função do número de crianças por mulher por país em 1965. (1)
Fact filhos 2019
Figura 2 - Mortalidade infantil em função do número de crianças por mulher por país em 2019. (2)

Como se pode verificar, o “fosso” que de certo modo existia e levou à criação destes termos para a distinção entre países já não faz muito sentido. O que se verifica é que existe uma continuidade e uma tendência para com o passar do tempo o número de mortes de crianças e o número de crianças por mulher diminuir. Agora, obviamente o autor pode ter escolhido estes dados de maneira a enganar-nos a todos e outros parâmetros são diferentes… Se estão desconfiados (e é normal estarem, não quero que simplesmente acreditem no que eu digo!) o local onde eu fiz ambos os gráficos foi em https://www.gapminder.org/tools/#$chart-type=bubbles. Lá podem modificar o que está nos eixos do x e do y para um vasto conjunto de dados desde o rendimento até ao nível de educação, passando pelo tempo médio de vida de cada pais e as emissões de CO2. Podem ainda escolher que país ver e ver a progressão do mesmo desde 1800 até à atualidade. 

Por exemplo, o gráfico que vou agora apresentar representa o rácio entre o número médio de anos que uma rapariga passa na escola versus um rapaz em Portugal de 1970 até 2015. Verifica-se que inicialmente a curva está abaixo de 100%, o que significa que os rapazes passavam mais anos na escola, e que atualmente a curva está acima dos 100%, o que significa que em média as raparigas passam mais tempo na escola. Em 1982 o número era igual.

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Rácio entre o tempo que um rapaz e uma rapariga passam na escola em Portugal, de 1970 a 2015. fonte: Gapminder
Figura 3 - Rácio entre os anos que um rapaz e uma rapariga, entre os 24 e os 35 anos, passam na escola em função do tempo. De 1970 até 2015. (3)

Isto é só para dar um exemplo do que pode ser feito no website. Podem experimentar o que quiserem e verificar que realmente não existe esse “fosso” entre os países nos dias correntes.

 

    Mas então se não vamos denominar os países de desenvolvidos e em desenvolvimento, como podemos definir os diferentes níveis em que as pessoas se encontram?

O autor sugere exatamente isso. A designação por diferentes níveis. Mais concretamente, 4 níveis de rendimento, definidos por aquilo que se pode obter e as barreiras que cada um deles ultrapassa.

  • O Nível 1 é o mais baixo. Onde a humanidade começou toda. Para pessoas que vivem com menos de 2 dólares por dia. Não têm dinheiro para sapatos e o objetivo é simplesmente sobreviver. A comida é sempre a mesma, andam horas só para ir buscar água e caso alguém adoeça provavelmente não vai sobreviver. Caso tenha boas colheitas e consiga vender algo pode chegar ao nível seguinte. Cerca de mil milhões de pessoas vivem assim.

  • O Nível 2 é entre os 2 e os 8 dólares por dia. Já tem algum dinheiro de lado. Não está tão dependente da própria colheita, e se poupar pode comprar uma bicicleta para se deslocar. Pode também comprar um fogão a gás para cozinhar e se calhar têm eletricidade e possibilidades para os filhos irem para a escola. Mas se alguém ficar doente tem que gastar tudo em medicamentos e volta ao nível 1. Cerca de 3 mil milhões de pessoas vive assim.

  • O Nível 3 é entre os 8 e os 32 dólares por dia. Já têm dinheiro suficiente para ter uma torneira com água fria e eletricidade estável. Se poupar, pode comprar uma mota ou um frigorífico e provavelmente já tem possibilidades para os filhos estudarem, na esperança que consigam uma vida melhor. Cerca de 2 mil milhões de pessoas vivem assim.

  • O Nível 4 é para as pessoas que vivem com mais de 32 dólares por dia. Neste momento, ao contrário do nível 1, 3 dólares por dia já não têm um impacto tão significativo… Já têm acesso a um carro, mesmo que não o melhor. Tem canalização e água quente e fria. Uma estrutura como a que a que a maior parte das pessoas que vão ler isto estão habituadas. Cerca de mil milhões de pessoas vive assim. A dificuldade é mesmo as pessoas deste nível entenderem o esforço necessário para cá se chegar.

  • Para encontrar fotografias ilustrativas dos vários níveis de rendimento consultar: https://www.gapminder.org/dollar-street/matrix

  • Todos começamos no primeiro nível e durante mais de 100 mil anos ninguém subiu. Há 200 anos atrás, 85% da população estava no nível 1 e para se chegar do nível 1 ao 4 passam normalmente várias gerações. Hoje a maior parte das pessoas está distribuída nos níveis 2 e 3 e são estes que estão a evoluir para os níveis superiores. Não existe um fosso… Existe uma distribuição num espetro alargado que está com o passar do tempo a convergir em maiores níveis de rendimento.

Ok, vamos admitir que todos concordamos que existe um instinto de fosso, o que podemos fazer? Como o podemos identificar?

  • Existem habitualmente 3 sinais de que estamos perante uma história com um fosso que pode não existir ou que desencadeia o nosso instinto. As “comparações de médias”, as “comparações de extremos” e a “visão daqui de cima”.

  • As comparações de médias são perigosas, porque as médias escondem uma dispersão num único número. São super úteis! Mas por vezes pintam uma imagem simplista do que realmente acontece e pode-nos levar a conclusões erradas… Quando olhamos para a distribuição dos valores conseguimos ter uma ideia melhor de como os valores interagem. Deixo estes dois gráficos como exemplo:

Comparação da média de rendimento por pessoa ao longo do tempo na China e nos Estados Unidos. Fonte: Gapminder
Figura 4 - Rendimento médio dos Estados Unidos e da China de 1800 até 2018. (4)
Comparação da distribuição de rendimentos Chinesa e Norte Americana em 2015. Fonte: Gapminder
Figura 5 - Distribuição do rendimento das populações chinesa e americana em 2015. (5)
  • Se só olharmos para a primeira imagem, podemos ficar com a ideia que há uma grande discrepância entre o rendimento nos Estados Unidos e o rendimento na China, no entanto, olhando para a segunda figura, é possível observar que há uma sobreposição considerável  nas duas curvas de rendimento. Obviamente que em média as pessoas ganham mais nos estados unidos, mas não existe um “fosso”, há muitas pessoas na china que estão numa situação equivalente às dos estados unidos.

  • A comparação entre extremos é algo simples que muitas vezes é aliciante porque é provocadora, mas, normalmente, não ajuda à compreensão. Há sempre pessoas nos extremos. Pessoas num extremo mais rico e pessoas num extremo mais pobre e a comparação pode ser sempre feita. No entanto, isso nada nos diz sobre onde se insere a maior parte da população, que está algures no meio, nem nos dá informação sobre a evolução dos extremos. O exemplo que o autor dá é o facto em 2015 de os 10% mais ricos do Brasil ganharem 41% do rendimento do país. Algo que é sinceramente chocante! Mas por outro lado, 30 anos antes este valor era superior a 50% e durante esse tempo o número de pessoas na pobreza extrema também tem vindo a diminuir e a maior parte da população encontra-se agora no nível 3 e não no nível 2. Se a primeira informação de que os 10% ganham 41% dos rendimentos for contextualizada, é possível retirar algumas conclusões. No entanto se for dado só como um dado extremo, não há muito que se possa retira.

  • Por fim, a “Visão daqui de cima”. O desafio aqui passa por compreender que a maior parte das nossas experiências são de nível 4. E fora histórias das nossas famílias ou familiares nossos que passem por esse tipo de situações é-nos difícil entender e distinguir aquilo porque pessoas dos diversos níveis de rendimentos têm que passar. É quase como olhar da parte de cima do maior arranha céus da cidade. Provavelmente todas as casas vão parecer pequenas, distantes e com pouco relevo. Mas para quem está na estrada, há uma grande diferença entre uma casa de um andar, ou um conjunto de apartamentos de 3 andares. Tentar entender essas diferenças entre as diferentes situações de vida em que as pessoas se encontram é importante para saber distinguir os desafios que enfrentam e o que mais necessitam. Saber onde enquadrar cada um dos níveis é a melhor maneira de combater esta “visão de cima” e o link que mandei anteriormente da “Dollar Street” ajuda. (https://www.gapminder.org/dollar-street/matrix)

Em conclusão:

Obviamente que é um instinto útil, e efetivamente há várias situações em que existe uma dualidade (um “fosso”) entre duas coisas. Mas a maior parte das vezes não é o caso e saltamos para essa conclusão. Tentar olhar para os dados de um modo mais contextualizado ajuda-nos a ter uma melhor perceção do que nos rodeia!

O Instinto da Negatividade:

Este instinto baseia-se na conceção errada de que “o mundo está cada vez pior”… Isto é uma afirmação que podemos ouvir em qualquer local e a verdade é que o mundo está cheio de coisas más! Terrorismo, pesca excessiva, aquecimento global, florestas a desaparecer, um vírus que nos coloca a todos em quarentena… Temos problemas mais que suficientes para resolver! Mas mesmo com tudo isto, será que o mundo está a melhorar, a piorar ou está na mesma?

No entanto, nós estamos muito melhor que o que estávamos há 20 anos ou há 40 anos atrás… Um dos exemplos disso é a Taxa de extrema pobreza (que pode ser consultada em https://www.gapminder.org/topics/extreme-poverty-trend/)

Curva da Extrema Pobreza a nível mundial de 1800 até 2017. Fonte: Factfullness
Figura 6 - Percentagem da população humana em pobreza extrema de 1800 até 2017. (6)
  • Do mesmo modo que a pobreza extrema tem diminuído, muitas outras coisas têm vindo a melhorar. A esperança média de vida é cada vez maior, não há escravatura, morrem cada vez menos crianças antes dos 5 anos, o preço das energias renováveis é cada vez mais baixo, praticamente já não há quedas de aviões, cerca de 90% da população já tem acesso a eletricidade e água consistentemente, mais de 65% das pessoas tem acesso a telemóveis e mais de 50% utiliza a Internet, o número de crianças vacinadas é de cerca de 90% (há 40 anos era 22%…) e muitas outras coisas que podia ir pesquisar e colocar aqui como “prova” estatística de que o mundo está a caminhar na direção correta.

Mas então em que se baseia este instinto da negatividade?

Há 3 coisas diferentes que contribuem para ele existir: A falsa memória do passado; os relatos seletivos dos jornalistas e dos ativistas; o sentimento de que, uma vez que as coisas estão mal, é cruel dizer que estão a melhorar…

  • A falsa memória do passado é o típico “as coisas já não são o que eram”. A verdade é que a maior parte das coisas costumava ser pior e não melhor, mas nós adapta-mo-nos ao estilo de vida corrente e romantizamos o passado, perdendo um bocado a noção de como as coisas realmente aconteciam. Estamos focados no dia a dia e provavelmente não paramos para pensar que se calhar agora estamos melhor. Eu apercebo-me disto claramente quando oiço histórias dos meus avós. Por exemplo, o meu avô a contar que a mãe dele quando estava doente, para ir a um médico teve que ir em cima de um burro 10/15 km (que parece pouco, mas é mais bem mais que uma hora de viagem) com o filho ao colo. Ora, eu hoje caso tenha um problema faço essa distancia de carro em 15 minutos ou menos. E caso seja necessário ligo a uma ambulância e tenho transporte… (se bem que a saúde 24 agora está um pouco sobrelotada…) As mudanças vão sendo subtis ao longo do tempo e podemos nem nos aperceber que aconteceram, mas mesmo na minha infância, eu lembro-me de não ter água quente sempre disponível para tomar banho e agora é algo impensável… É difícil relacionar-me com esta realidade intuitivamente, porque não é algo que vivi, ou já esqueci.

  • O relato seletivo é algo a que estamos todos habituados. Sempre que ligamos a televisão (CMTV) somos expostos a uma quantidade incrível de noticias negativas vindas de todo o mundo. Guerras, fome, desastres, epidemias, mortes, corrupção, doenças, despedimentos, terrorismo etc. (a verdade é que se relatassem que nenhum avião se despenhou ou que nenhuma criança se afogou também ninguém queria saber… porque foi só mais um “dia normal”)

    • A maior parte das melhorias graduais raramente é noticiada e vista por milhões de pessoas. A nossa vigilância sobre os problemas e o sofrimento aumentou imenso. Até à uns anos atrás ninguém ouvia falar de pessoas a morrer à fome noutros países, ou de como a Europa invadiu outros continentes e escravizou pessoas, mas foram coisas que aconteceram. Agora com a incrível cobertura que existe é praticamente impossível coisas passarem sem serem noticiadas. O que é bom!! É algo que nos dá conhecimento sobre a realidade atual e o conhecimento é das melhores armas que podemos ter para a mudança. Mas também passa para o publico geral a ideia de que as coisas estão constantemente a piorar, porque há constantemente mais cobertura sobre os diversos problemas, e assim é normal obter uma ilusão de deterioração constante da sociedade.

  • Por fim, sentir e não pensar. Quando as pessoas dizem que o mundo está a piorar, provavelmente não estão a pensar, estão a sentir… O que é normal… Estar a dizer que o mundo está a melhorar tendo em conta todos os problemas que existem e que conseguimos ver é desconfortável. Mas admitir que está a melhorar não significa ignorar esses problemas e fingir que não existem! Temos que nos continuar a preocupar com tudo o que tem que ser melhorado, mas também não se deve desviar o olhar ao progresso que foi feito!

E então como combatemos isto?

  • Bem, em primeiro lugar temos que esperar sempre más noticias. Os meios de comunicação, os ativistas, os políticos usam o drama para captar a nossa atenção. Se estivermos à espera que isso seja a norma e tivermos a noção que também existem mudanças e noticias positivas é mais fácil combater essa negatividade. As noticias positivas provavelmente não chegam até nós, mas podemos procura-las, nomeadamente nas estatísticas!

  • Depois, não temos que nos apegar a uma versão cor-de-rosa da história… O passado ser difícil é algo que nos ajuda a entender o progresso que fizemos e a não ter esta visão negativa sobre a atualidade. Coloco aqui um gráfico com a evolução de Portugal nos últimos 200 anos, para se ter noção do que evoluímos e das facilidades que temos em relação aos nossos país, avós, bisavós e outras gerações sem as quais não estávamos aqui.

Fact Portugal
Figura 7 - Esperança média de vida em função do rendimento médio em Portugal de 1800 até 2019. (7)
  • Só há 20 anos é que entramos no nível 4! Temos um grande caminho pela frente. Mas já percorremos um bom bocado!

Bem, isto foi a primeira parte da revisão do livro. Não sei bem até que ponto é que este texto foi massador ou demasiado denso. Estou com alguma dificuldade em entender se deveria colocar mais exemplos, ou ser mais direto ao assunto. Ao todo são 10 os instintos identificados no livro e planeio falar sobre todos. Algum feedback que tenham, já sabem, é bem vindo 😃 Vou deixar aqui o link para as Ted talks de que falei antes para poderem ver!

Até para a semana! 

Ricardo Ribeiro